Nascimento e Infância de Eurípedes Barsanulfo (1880-1892)

A infância de Eurípedes Barsanulfo foi marcada por condições modestas, valores morais sólidos e uma inteligência precoce que se destacava entre seus contemporâneos. Este período estabeleceu as bases de seu caráter e os primeiros sinais de sua futura missão.

Contexto Histórico do Brasil (1880-1892)

O Brasil de 1880 a 1892 atravessava um período de transformações fundamentais. O país vivia os últimos anos do Império e os primeiros da República, com mudanças profundas em suas estruturas políticas, sociais e econômicas:

No campo educacional, o final do século XIX foi marcado pela predominância do ensino religioso, especialmente católico, com poucas escolas públicas disponíveis, principalmente no interior do país. A taxa de analfabetismo era extremamente alta, atingindo mais de 80% da população.

O interior de Minas Gerais, onde se localiza Sacramento, vivia ainda mais intensamente as contradições desse período. A região do Triângulo Mineiro experimentava um desenvolvimento modesto, baseado principalmente na agricultura e pecuária, com uma estrutura social fortemente marcada pela influência católica e por relações sociais ainda influenciadas pelo recente passado escravocrata.

Era um Brasil em transição, onde tradições seculares começavam a ser questionadas e novas ideias circulavam com mais intensidade, ainda que de forma restrita aos círculos intelectuais dos grandes centros urbanos. Foi neste contexto que nasceu e viveu sua infância Eurípedes Barsanulfo, em uma pequena cidade do interior mineiro.

Fonte: Brasil Imperio de Dom Pedro II - História do Brasil (José Murilo de Carvalho, 2003); Mineiros e História de Minas: Diálogos com a História Regional (VALLE, Marília Silva, 2015).

Origens Familiares

Para compreender a infância de Eurípedes Barsanulfo, é fundamental conhecer suas origens familiares, marcadas pela simplicidade, pelo trabalho e por valores morais sólidos.

Os Pais de Eurípedes

Hermógenes Ernesto de Araújo (Mogico)

Natural de Sacramento, Hermógenes, conhecido carinhosamente como "Mogico", trabalhava inicialmente como balconista em casas comerciais da região. Homem honesto e trabalhador, enfrentou dificuldades financeiras para sustentar sua numerosa família. Conforme relato da própria filha, "Mogico recebia 1500 (mil e quinhentos réis) diários, que mal davam para o sustento da família" (NOVELINO, 1979, p. 15).

Posteriormente, conseguiu estabelecer-se como pequeno comerciante, tornando-se proprietário de uma loja, o que melhorou discretamente as condições da família.

Jerônima Pereira de Almeida (Dona Meca)

Nascida em 11 de outubro de 1859, Jerônima, carinhosamente chamada de "Dona Meca", casou-se com Hermógenes em 1874, quando tinha apenas 14 anos de idade. Órfã desde jovem, havia sido criada pelo irmão mais velho, José Pereira de Almeida.

Dona Meca enfrentava problemas de saúde recorrentes, "sofrendo de crises frequentes, caracterizadas por desmaios" (NOVELINO, 1979, p. 16), o que mais tarde seria identificado como manifestações mediúnicas não compreendidas. Essas crises teriam profunda influência no desenvolvimento do interesse de Eurípedes pela saúde e, posteriormente, pela homeopatia e pelo Espiritismo.

Nota Histórica

O casamento entre Hermógenes e Jerônima foi arranjado, como era comum na época. Segundo relatos familiares preservados por Corina Novelino (1979), a união foi proposta pelo pai de Hermógenes, Hermógenes Casimiro de Araújo, que foi pessoalmente, acompanhado do filho, pedir a mão de Jerônima ao seu irmão José Pereira de Almeida. Este episódio ficou registrado na memória familiar e era frequentemente contado por Dona Meca aos netos, com detalhes pitorescos sobre o "reculuta" (recipiente para guardar joias) que teria sido um dos motivos do interesse de Mogico por ela.

Os Irmãos de Eurípedes

Eurípedes foi o terceiro filho numa família que viria a ter quinze crianças, das quais quatorze sobreviveram à infância. Quando ele nasceu, já faziam parte da família:

Maria Neomísia (Mariquinhas)

  • Nascimento: 8 de julho de 1876
  • Falecimento: 18 de junho de 1971
  • Papel na infância de Eurípedes: Como primogênita, ajudava a mãe nos afazeres domésticos e no cuidado com os irmãos menores. Foi uma figura maternal importante para Eurípedes, chegando a coletar folhas de "ora-pro-nóbis" no quintal para cozinhar com água e sal quando a família enfrentava dificuldades alimentares.

Eulógio Natal

  • Nascimento: 25 de dezembro de 1878
  • Falecimento: 29 de fevereiro de 1940
  • Papel na infância de Eurípedes: Como o segundo filho e irmão mais próximo em idade, Eulógio foi companheiro de Eurípedes nas brincadeiras e aprendizados da infância. Mais tarde, ajudaria o pai no comércio, seguindo seus passos nos negócios.

Durante a infância de Eurípedes, a família continuou a crescer com o nascimento de mais irmãos:

Wenefreda Dermecília

  • Nascimento: 20 de agosto de 1882
  • Falecimento: 8 de agosto de 1931
  • Características: Recordada como uma mulher forte e corajosa, que mais tarde casaria com Aristófanes Mendonça, tendo mais de quatro filhos.

Waltersídes Willon

  • Nascimento: 7 de maio de 1884
  • Falecimento: 21 de maio de 1938
  • Características: Tornar-se-ia um importante colaborador de Eurípedes, atuando como professor no Colégio Allan Kardec e presidente do Grupo Espírita Esperança e Caridade. Após a desencarnação de Eurípedes, assumiria a direção do Colégio, mantendo vivo seu legado educacional.

Arísia Hermencília

  • Nascimento: 15 de abril de 1885
  • Falecimento: 9 de julho de 1953
  • Características: Lembrada por sua fé robusta e exemplo de amor aos filhos, casaria mais tarde com Aristógiton França, tendo oito filhos.

Odulfo Wardil

  • Nascimento: 22 de fevereiro de 1887
  • Características: Influenciado pelos ensinamentos de Eurípedes, tornou-se um espírita convicto. Casou-se duas vezes, tendo oito filhos.

Eurídice Miltan (Sinhazinha)

  • Nascimento: 7 de dezembro de 1889
  • Falecimento: 2 de novembro de 1961
  • Características: Sofreu por muitos anos com uma obsessão espiritual, da qual foi curada por Eurípedes. Tornou-se exemplo de superação e dedicação ao bem, casando-se com Ataliba Cunha e tendo 11 filhos.

Edalides Milan

  • Nascimento: 18 de junho de 1893
  • Características: Importante colaboradora de Eurípedes nos trabalhos da Farmácia Espírita e do Colégio Allan Kardec. Recordada como uma mulher dinâmica e trabalhadora, dedicada à família e ao serviço ao próximo.

Essa numerosa família, apesar das dificuldades financeiras, mantinha-se unida por fortes laços afetivos e por valores morais sólidos, transmitidos principalmente por Dona Meca, que, "mesmo com suas limitações de saúde, conseguia manter a disciplina e o amor no lar" (BIGHETO, 2006, p. 87).

Fonte: Eurípedes: O Homem e a Missão (NOVELINO, Corina, 1979); Eurípedes Barsanulfo, um educador espírita na Primeira República (BIGHETO, Alessandro Cesar, 2006).

Nascimento e Primeiros Anos

1º de maio de 1880: Nascimento em Sacramento

"Nasceu Eurípedes Barsanulfo. Exatamente a 1º de maio de 1880, numa casa situada nas esquinas da Rua Principal com a transversal, Major Lima" (NOVELINO, 1979, p. 27). O nascimento ocorreu em uma casa modesta, situada no centro de Sacramento, Minas Gerais, uma pequena cidade que havia sido elevada à categoria de município apenas uma década antes.

Sobre o nome escolhido para a criança, há um interessante relato: "Eurípedes era o nome de um antigo poeta grego, tragediasta, contemporâneo de Sócrates. Barsanulfo foi inspirado no nome de um mártir cristão do primeiro século" (JACINTHO, Roque, 1987, p. 22). A escolha destes nomes, pouco comuns na época e na região, demonstra certa erudição, apesar da simplicidade da família.

O nascimento de Eurípedes ocorreu em um momento particularmente difícil para a família. Os recursos escassos mal davam para a alimentação básica, e a saúde de Dona Meca era bastante frágil, com crises frequentes.

1880-1885: Primeiras Dificuldades e Mudanças

Os primeiros anos de vida de Eurípedes foram marcados por dificuldades materiais e pela saúde precária da mãe. "A alimentação ordinária da família era deficiente. Houve um tempo em que Mariquinhas buscava no quintal folhas de 'ora-pro-nóbis', que cozia em água e sal para os irmãos" (NOVELINO, 1979, p. 28).

Em 1885, quando Eurípedes contava cinco anos, a família mudou-se para a Estação de Cipó, onde Mogico assumiu um trabalho na estação ferroviária local. Esta mudança representou uma tentativa de melhorar as condições financeiras da família, que continuava a crescer com o nascimento de novos filhos.

Nesse período inicial, já se notavam em Eurípedes características que o distinguiriam ao longo de toda sua vida: a bondade para com os animais, a preocupação com os mais fracos e uma inteligência vivaz e curiosa.

1886: Primeiros Sinais de Interesse pela Medicina

Aos seis anos, Eurípedes já demonstrava um extraordinário interesse pelo conhecimento, especialmente pela área médica. "Em 1886, aos seis anos, começou a frequentar a biblioteca do Dr. Onofre Ribeiro, interessando-se vivamente pelos seus livros de medicina" (NOVELINO, 1979, p. 30).

Este interesse precoce pela medicina foi, provavelmente, motivado pela saúde frágil da mãe e pelas doenças comuns na região, que afetavam muitas famílias. Desde cedo, Eurípedes demonstrava uma sensibilidade especial para com o sofrimento alheio, característica que o acompanharia por toda a vida.

"Não descansarei, mãe, enquanto não encontrar um caminho para debelar o mal que tanto a aflige."

— Eurípedes Barsanulfo, aos 6 anos, ao ser questionado sobre seu interesse por livros de medicina

1887-1889: Retorno a Sacramento

Entre 1887 e 1889, a família retornou a Sacramento. O retorno foi motivado principalmente pela necessidade de cuidados médicos mais adequados para Dona Meca e pela busca de melhores condições de estudo para os filhos mais velhos.

Neste período, Mogico conseguiu estabelecer-se como pequeno comerciante, adquirindo uma loja modesta na cidade, o que permitiu uma discreta melhora nas condições materiais da família.

Eurípedes, agora com nove anos, começou a ajudar o pai no comércio, revelando desde cedo responsabilidade e dedicação ao trabalho. Seus primeiros estudos formais também tiveram início nesta época.

Fonte: Eurípedes: O Homem e a Missão (NOVELINO, Corina, 1979); Eurípedes Barsanulfo: o Apóstolo da Caridade (JACINTHO, Roque, 1987).

Características da Infância

Traços Distintivos

Inteligência Precoce

Capacidade de leitura aos quatro anos, compreensão de conceitos avançados, memória excepcional e curiosidade insaciável.

Sensibilidade e Compaixão

Preocupação com o sofrimento alheio, proteção aos animais, atenção aos mais fracos e empatia com a dor dos outros.

Responsabilidade

Assistência aos pais desde tenra idade, seriedade nos estudos, cuidado com os irmãos mais novos e dedicação ao trabalho familiar.

A infância de Eurípedes foi marcada por traços de personalidade e comportamento que já demonstravam a excepcionalidade de seu caráter e inteligência. Segundo diversos relatos preservados por sua família e contemporâneos, algumas características se destacavam:

Desenvolvimento Intelectual Extraordinário

"Eurípedes demonstrou, desde muito cedo, uma inteligência invulgar. Aos quatro anos já lia com fluência, para espanto da família e dos vizinhos" (BIGHETO, 2006, p. 91). Esta capacidade excepcional de aprendizado manifestava-se em diversos campos:

  • Aprendizado precoce da leitura e escrita, sem instrução formal;
  • Compreensão intuitiva de conceitos matemáticos básicos;
  • Memória extraordinária, capaz de recordar textos e conversas na íntegra;
  • Interesse por temas geralmente além da compreensão infantil, como medicina e filosofia.

"Sempre lendo, estudando, não pôde levar essa vida comum de todas as crianças – vida despreocupada, empregando as horas de folga em brinquedos e divertimentos comuns à idade."

— Dr. Inácio Ferreira em "Subsídios para a História de Eurípedes Barsanulfo"

Sensibilidade e Compaixão

Outra característica marcante de Eurípedes criança era sua extraordinária sensibilidade para com o sofrimento alheio:

"Desde cedo, demonstrando a elevação de seu espírito e a bondade de seus sentimentos, não permitia que se judiciasse com um animal e verberava, mesmo, o procedimento dos seus companheiros, quando estes, aproveitando-se de ocasiões oportunas, o tratassem com requintes de perversidade" (FERREIRA, Inácio, 1962, p. 15).

Um episódio particularmente comovente ocorreu quando Eurípedes tinha apenas seis anos. Sua tia Babota, irmã de Dona Meca, encontrava-se muito doente, e expressou o desejo de comer doce de casca de laranja. O pequeno Eurípedes, compadecido do sofrimento da tia, não descansou até conseguir prepará-lo ele mesmo, destacando-se pela persistência e pela capacidade de execução de tarefas complexas para sua idade.

Entre o Trabalho e as Brincadeiras

Apesar das responsabilidades precoces e do estudo intenso, Eurípedes não deixou de vivenciar momentos de alegria infantil. Segundo relatos preservados por Corina Novelino (1979), ele participava de brincadeiras com os irmãos e amigos, principalmente na construção de pequenos fogões de barro no quintal.

Sua infância foi também marcada por estratégias criativas para lidar com as limitações materiais. Um episódio conhecido relata como, desejando comprar doces como as outras crianças, mas não tendo dinheiro, molda um pedaço de telha para simular uma moeda e vai à venda local. O comerciante, percebendo sua inocência, aceita o "dinheiro" improvisado e lhe dá o doce, num gesto de compaixão que impactou profundamente o menino.

As condições materiais limitadas da família exigiam que mesmo as crianças contribuíssem para o sustento. Há relatos de que Eurípedes trabalhava carregando malas para viajantes na estação ferroviária e ajudando no arreamento de animais, conseguindo assim "minguados recursos para comprar livros, livros com os quais era possível saciar a sua sede de conhecimentos" (NOVELINO, 1979, p. 31).

Fonte: Eurípedes: O Homem e a Missão (NOVELINO, Corina, 1979); Subsídios para a História de Eurípedes Barsanulfo (FERREIRA, Inácio, 1962); Eurípedes Barsanulfo, um educador espírita na Primeira República (BIGHETO, Alessandro Cesar, 2006).

Primeiros Estudos no Colégio Miranda

Em 1889, aos nove anos, Eurípedes iniciou seus estudos formais no Colégio Miranda, dirigido pelo Professor João Derwil de Miranda, uma instituição educacional de destaque em Sacramento.

O Colégio Miranda seguia os métodos pedagógicos do Colégio Caraça, reconhecido centro de excelência educacional em Minas Gerais, adaptando-os à realidade local. A instituição oferecia uma formação que incluía as letras, as ciências e a formação moral, com forte influência da tradição católica, predominante na educação brasileira da época.

Desde o início, Eurípedes se destacou como um aluno excepcional, "ao ponto de o Professor Fernando Vaz de Melo, conhecido por Tatinho, e o Professor João Derwil de Miranda o incumbirem de lecionar aos próprios companheiros" (FERREIRA, 1962, p. 16), algo bastante incomum para a época.

Contexto Educacional

O sistema educacional brasileiro do final do século XIX era extremamente elitista, com poucas escolas públicas e grande parte da população sem acesso à educação formal. Em cidades do interior como Sacramento, a situação era ainda mais precária, com pouquíssimas opções educacionais disponíveis.

Instituições como o Colégio Miranda representavam uma exceção à regra, oferecendo educação de qualidade a um número limitado de crianças, geralmente das famílias mais abastadas. O fato de Eurípedes, de família humilde, ter acesso a essa educação já indicava o reconhecimento de sua excepcionalidade.

Método de Ensino e Desempenho Escolar

O método de ensino predominante nas escolas brasileiras do final do século XIX era centrado na memorização e na disciplina rigorosa. No entanto, o Colégio Miranda, influenciado pelo modelo do Caraça, já apresentava alguns elementos mais progressistas, como o estímulo ao raciocínio e a valorização da compreensão.

O desempenho escolar de Eurípedes foi sempre excepcional em todas as matérias. "Estudioso, esforçado, inteligente e com pendor para o ensino, foi logo aproveitado pelo seu mestre escolar" (FERREIRA, 1962, p. 16). Este reconhecimento precoce de suas habilidades, ao ser designado para auxiliar no ensino de colegas, demonstra tanto sua capacidade intelectual quanto suas qualidades pedagógicas, que mais tarde se manifestariam plenamente no Colégio Allan Kardec.

Durante este período escolar inicial, Eurípedes começou a desenvolver algumas das características que marcariam sua atuação futura como educador:

  • Valorização do conhecimento como instrumento de transformação;
  • Paciência e dedicação ao ensinar os colegas com mais dificuldades;
  • Interesse pela metodologia de ensino e pelos processos pedagógicos;
  • Visão humanista da educação, centrada no desenvolvimento integral do ser.

Nota Histórica

O Colégio Miranda, fundado em 1880, estava entre as poucas instituições educacionais de qualidade disponíveis em Sacramento na época. Sua proposta pedagógica era considerada avançada para os padrões da região, com a inclusão de disciplinas como ciências naturais e línguas estrangeiras, além das tradicionais. A instituição seguia os princípios do Colégio Caraça, fundado em 1820 pelos padres lazaristas, que havia se tornado referência em educação em Minas Gerais.

Fonte: Subsídios para a História de Eurípedes Barsanulfo (FERREIRA, Inácio, 1962); História da Educação em Minas Gerais no Século XIX (FARIA FILHO, Luciano Mendes, 2016).

Primeiros Sinais de Espiritualidade

Embora a conversão formal de Eurípedes ao Espiritismo só tenha ocorrido em 1904, já na sua infância é possível identificar sinais precursores de sua sensibilidade espiritual e de fenômenos que hoje seriam interpretados como manifestações mediúnicas.

Sensibilidade Espiritual Precoce

Diversos relatos familiares, preservados por biógrafos como Corina Novelino, Jorge Rizzini e Inácio Ferreira, mencionam a sensibilidade espiritual incomum de Eurípedes desde tenra idade:

  • Percepção de presenças invisíveis, que ele descrevia como "pessoas que os outros não viam";
  • Empatia extraordinária com o sofrimento alheio, como se pudesse senti-lo em si mesmo;
  • Premonições e intuições que frequentemente se confirmavam;
  • Capacidade de confortar pessoas em situações de dor ou luto, com palavras que pareciam transcender sua idade e experiência.

A família, profundamente católica na época, interpretava esses fenômenos dentro do contexto religioso tradicional, sem associá-los à mediunidade que mais tarde seria desenvolvida por Eurípedes no âmbito do Espiritismo.

Influência da Mãe

A saúde frágil de Dona Meca, com suas crises nervosas que hoje seriam provavelmente interpretadas como manifestações mediúnicas, teve profunda influência na formação da sensibilidade espiritual de Eurípedes. "Por essa ocasião, a saúde de Meca achava-se bastante comprometida com crises frequentes, caracterizadas por desmaios" (NOVELINO, 1979, p. 16).

Acompanhando de perto essas crises da mãe, Eurípedes desenvolveu não apenas o interesse pela cura, que o levaria mais tarde à homeopatia, mas também uma percepção intuitiva da dimensão espiritual desses fenômenos. Isso explicaria, em parte, seu interesse precoce por leituras relacionadas à alma e ao espírito, mesmo quando sua formação religiosa se dava no contexto católico.

"Muitas vezes, antes mesmo que Dona Meca manifestasse sintomas físicos de suas crises, o pequeno Eurípedes já se colocava ao seu lado, como se soubesse antecipadamente o que iria acontecer, oferecendo-lhe água e conforto."

— Depoimento de Maria Neomísia, irmã de Eurípedes, registrado por Corina Novelino

Religiosidade na Formação

Durante toda a sua infância, Eurípedes recebeu formação religiosa católica, como era comum nas famílias brasileiras do final do século XIX. "Toda a família católica, apostólica romana, ele mesmo, seguindo os princípios religiosos em que fora educado, quando criança auxiliava o sacerdote do lugar" (FERREIRA, 1962, p. 17). Esta formação católica inicial forneceu a Eurípedes as bases morais que, mais tarde, seriam reinterpretadas sob a ótica espírita.

A caridade cristã, valor fundamental do catolicismo, encontraria plena expressão em sua vida futura como médium e educador espírita. É importante notar que, apesar da educação religiosa tradicional, Eurípedes já demonstrava um espírito questionador e uma busca pelo entendimento mais profundo dos ensinamentos religiosos, o que talvez explique sua posterior abertura ao Espiritismo, quando este lhe foi apresentado por seu tio Mariano da Cunha.

Fonte: Eurípedes: O Homem e a Missão (NOVELINO, Corina, 1979); Subsídios para a História de Eurípedes Barsanulfo (FERREIRA, Inácio, 1962).

Pré-adolescência e Atividades Culturais

A transição da infância para a adolescência de Eurípedes coincidiu com importantes transformações políticas e sociais no Brasil, como a Proclamação da República em 1889. Em Sacramento, o jovem começava a expandir seus horizontes, participando ativamente de iniciativas culturais e demonstrando liderança entre seus pares.

O Grêmio Dramático Sacramentano

Com apenas 12 ou 13 anos, em 1892, Eurípedes foi "um dos fundadores mais entusiastas do Grêmio Dramático Sacramentano", um grupo teatral amador que visava levar arte e moralidade ao público local. Ao lado de amigos como José Martins Borges, seu colega de escola, e figuras respeitadas como o Dr. Pedro Salazar de Veiga Pessoa, ele ajudou a montar peças clássicas e modernas, sempre escolhidas por seu elevado teor educativo e moral.

Destacaram-se encenações de dramas históricos, como "Jerusalém Libertada" de Torquato Tasso, em que Eurípedes protagonizou um cristão que converte uma princesa pagã, e peças de autoria local, como "A Rainha dos Sonhos" do Dr. Salazar, cujo enredo alegórico trazia as virtudes Fé, Esperança, Caridade, Poesia e Arte debatendo a regeneração moral da Humanidade.

Essas experiências teatrais demonstram não só o talento artístico de Eurípedes, mas também sua preocupação em transmitir valores elevados de forma acessível – algo que ele incorporaria depois em sua prática pedagógica.

Primeiras Experiências com Homeopatia

Movido pelo desejo de aliviar o sofrimento de sua mãe e de outros doentes, Eurípedes começou a estudar homeopatia por conta própria ainda muito jovem. "Desde 1893, aos 13 anos, ele já experimentava tratamentos homeopáticos em familiares e conhecidos, tendo montado uma pequena farmácia caseira onde preparava remédios simples com os conhecimentos que adquirira em livros e revistas especializadas".

O jovem atendia principalmente os pobres da periferia, chegando a visitá-los em suas casas para medicar e acompanhar doentes. Esta prática filantrópica, sustentada com recursos próprios e muito esforço, prefigurava a grande obra assistencial de cura que ele desenvolveria anos mais tarde.

Estudos Religiosos e Atividades na Igreja

Nessa fase, Eurípedes aprofundou sua ligação com a Igreja Católica, participando ativamente como coroinha nas missas e fazendo parte do rosário diariamente. Ele também se destacou na Irmandade de São Vicente de Paulo, sociedade leiga de caridade católica que, na época, era uma importante instituição de assistência aos pobres em Sacramento.

A participação nessas atividades religiosas refletia tanto a educação familiar quanto sua busca pessoal por espiritualidade e serviço ao próximo. Esse engajamento na ajuda aos necessitados, mesmo dentro do contexto católico, já demonstrava traços do que seria seu futuro compromisso com a caridade e o auxílio desinteressado, valores que encontrariam expressão ainda mais profunda após sua conversão ao Espiritismo.

Experiências Formativas Importantes

O Episódio do Cuidado à Tia Babota

Um acontecimento marcante da infância de Eurípedes, frequentemente citado por seus biógrafos, foi o cuidado dedicado à sua tia Babota (Bárbara Pereira de Almeida), irmã de Dona Meca, durante sua enfermidade terminal. Quando tinha apenas seis anos, ele mostrou extraordinária compaixão ao tomar para si a responsabilidade de atender o desejo da tia por um doce específico.

A tia, em seus últimos momentos, expressou o desejo de comer doce de casca de laranja. O menino Eurípedes, percebendo a impossibilidade de sua mãe preparar o doce naquele momento, tomou a iniciativa de fazê-lo ele mesmo. Com determinação incomum para sua idade, raspou as cascas de laranja, preparou a compota e levou-a para a tia moribunda, alimentando-a com pequenos pedaços.

As palavras finais de Babota para o sobrinho – "Como se vive, se morre" – ficaram gravadas profundamente em sua memória, inspirando reflexões sobre o significado da vida e da morte que mais tarde encontrariam respaldo nas concepções espíritas sobre a imortalidade da alma.

A Influência do Dr. Onofre Ribeiro

Aos sete ou oito anos, Eurípedes teve a oportunidade de conviver com um médico de fora, o Dr. Onofre Ribeiro, que se hospedou na casa da família por um período. O doutor trazia consigo volumosos livros de ciências médicas e naturais, despertando a curiosidade do menino.

Eurípedes, fascinado, passava horas folheando esses livros, absorvendo conceitos muito além da compreensão comum para sua idade. Quando Dr. Onofre alertou Mogico sobre a inadequação daquelas leituras para uma criança tão pequena, Eurípedes justificou seu interesse com maturidade surpreendente, declarando que estudava para encontrar a cura para os males que afligiam sua mãe.

Este contato com a literatura médica científica representou um importante estímulo intelectual em sua infância e plantou as sementes do que seria uma vida dedicada à cura e ao alívio do sofrimento alheio.

As Histórias de Rufina

Outra figura que exerceu significativa influência na formação de Eurípedes foi Rufina, uma jovem escrava que pertencia à tia Babota e que frequentemente "fugia" para ajudar Dona Meca com as tarefas domésticas. Rufina contava aos pequenos Barsanulfo histórias do folclore e lendas africanas, enriquecendo seu imaginário com elementos de uma cultura diferente daquela predominante em seu meio.

Essas narrativas, repletas de simbolismo e sabedoria ancestral, contribuíram para desenvolver em Eurípedes uma visão de mundo aberta à diversidade cultural e religiosa, algo bastante incomum para a época. Essa abertura certamente facilitaria sua futura compreensão da pluralidade de manifestações espirituais e religiosas, um dos princípios do Espiritismo.

Considerações sobre a Infância

A infância de Eurípedes Barsanulfo (1880-1892), embora marcada por dificuldades materiais e desafios familiares, estabeleceu as bases de seu caráter excepcional e de sua futura missão como educador e médium. Os doze primeiros anos de sua vida revelaram:

Estes traços formativos da infância explicam, em grande parte, o adulto em que Eurípedes se tornaria: um homem íntegro, dedicado ao serviço ao próximo, com uma visão integradora entre ciência e espiritualidade, e profundamente comprometido com a educação como instrumento de transformação social e espiritual.

Os anos seguintes, de juventude e formação (1893-1902), consolidariam estas características e abririam caminho para sua conversão ao Espiritismo e para sua monumental obra educacional e assistencial.

O Sonho Interrompido da Faculdade de Medicina

No final de sua adolescência, Eurípedes já era reconhecido em Sacramento por sua inteligência, integridade e altruísmo. Com a melhoria gradual da situação financeira familiar por volta de 1900 – Mogico prosperara no comércio local e os filhos mais velhos já ajudavam nas despesas do lar – abriu-se a possibilidade de Eurípedes prosseguir nos estudos formais.

Seu grande sonho era estudar Medicina, para poder cumprir a promessa de encontrar a cura para os males de sua mãe. No início de 1902, quando Eurípedes contava 21 anos, Mogico decidiu levá-lo ao Rio de Janeiro, então capital federal, com o objetivo de matriculá-lo num curso preparatório para a Faculdade de Medicina.

Pai e filho viajaram de trem à capital, e lá Eurípedes conseguiu ingresso no Curso Preparatório para a Escola de Medicina do Rio de Janeiro. A notícia causou grande alegria em sua família, que via nesse passo a realização de um sonho e a promessa de um futuro brilhante.

De volta a Sacramento para arrumar as malas antes de se mudar definitivamente para o Rio, Eurípedes estava radiante com a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos e, quem sabe, finalmente descobrir a cura para Dona Meca. Porém, às vésperas de sua partida, um acontecimento mudou o rumo de sua vida: sua mãe sofreu uma grave crise nervosa, decorrente da angústia pela iminente separação do filho amado.

Vendo que a saúde da mãe piorava por tristeza, Eurípedes tomou uma decisão drástica: desfez silenciosamente sua mala e desistiu de deixar Sacramento. Ele renunciou à carreira médica antes mesmo de iniciá-la, preferindo ficar ao lado da mãe para poupar-lhe o sofrimento da saudade.

Essa renúncia, feita por amor e compreensão, ilustra o profundo senso de dever familiar e desprendimento pessoal que caracterizavam Eurípedes Barsanulfo, e que continuariam a guiá-lo em suas escolhas futuras, direcionando-o para uma missão diferente, mas não menos significativa, como educador e médium em sua terra natal.

Referências

BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo, um educador espírita na Primeira República. Dissertação de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2006.

CARVALHO, José Murilo de. Brasil Imperio de Dom Pedro II - História do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

FARIA FILHO, Luciano Mendes. Dos pardieiros aos palácios: forma e cultura escolar em Belo Horizonte (1906-1918). 2ª ed. Uberlândia: EDUFU, 2016.

FERREIRA, Inácio. Subsídios para a História de Eurípedes Barsanulfo. Uberaba: 1962.

JACINTHO, Roque. Eurípedes Barsanulfo: o apóstolo da caridade. São Paulo: Editora Cultural Espírita, 1987.

NOVELINO, Corina. Eurípedes: O Homem e a Missão. Araras: IDE, 1979.

SILVA, Jaqueline Peixoto Vieira da. Espiritismo e Educação: Eurípedes Barsanulfo e o Colégio Allan Kardec / Sacramento-MG (1880-1918). Dissertação de Mestrado. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2017.

VALLE, Marília Silva. Mineiros e História de Minas: Diálogos com a História Regional. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.